segunda-feira, 20 de julho de 2009

DESENHO DE CENA


Era uma grande cidade cinzenta ao pino do meio dia, com seus arranha-céus enegrecidos pelo tempo, seus carros barulhentos, suas ruas retas entrecortavam as largas avenidas.
Um labirinto.
Ou seria o interior da alma de uma mulher desgastada?
Ao longe, em meio à multidão de pessoas, cimentos, cacos e entulhos via-se três figuras.
A primeira era uma velha, quase uma tartaruga, seu rosto dobrado pelo tempo, sua corcunda arriada com o peso de uma enorme trouxa, suas velhas mãos calejadas apoiavam um torto cajado, seus pés que arrastavam bugigangas tropeçavam no nada.
A segunda era uma noiva, quase uma gazela, suas longas pernas tentavam deslizar por entre a multidão, sua rubra boca entreabria-se num ligeiro sorriso a procura... Seus negros olhos tateavam ... O alvo véu escorria-lhe ...
A terceira era a outra, quase uma sombra, sem rosto, seus braços disformes pendiam ao longo do corpo, seus imundos pés marchavam atrás da noiva .
O balbuciar dos resmungos incompreensíveis da velha chamavam a atenção dos transeuntes do largo. O resto de um guarda chuva seguia-lhe incessantemente. O som de um acordeon chamou-lhe atenção.
Parou.
Ajoelhou-se.
Desceu a enorme trouxa da corcunda e com extremo cuidado tirou um desobjeto. Talvez um pente de madeira com dois ou três dentes quebrados que agora servia de casa para uma família de cupins.
A noiva tentava correr mas estava enlaçada à sombra, seus calcanhares subiam, suas escápulas produziam movimentos repetitivos, seu pescoço projetava-se à frente, mas era impossível sair do lugar.
A sombra agachou em oposição à noiva e apontou para a porta da igreja, que estava no final da enorme passarela.
As badaladas do sino da igreja ressoam retinido pelas ruas retas esvaindo-se em uma densa nuvem de poeira cinza-chumbo.
A velha deixou cair aquilo que outrora fora um pente, seus olhos caídos pareciam não mais estar ali, estavam perdidos em algum lugar de suas lembranças rotas e remotas. Logo que o sino parou de tocar juntou sua trouxa e a colocou novamente nas costas. O caminho era curto, mas sabia que seria longo.
A noiva desenlaçou-se da sombra, em passos trôpegos avançou em direção à igreja. O sol queimava-lhe a face, mas tinha que continuar, “faltam apenas alguns passos”, pensou. A sombra desidéria e etérea seguia no seu ritmo. “Corra”, disse ela secamente. Mas os pés doíam-lhe, afinal já estava andando algumas horas sem descanso. “Não quero chegar descabelada”, disse com a voz travada de sede...

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